Qual é a sua?

sábado, abril 26, 2008

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- Aproxime-se do precipício.
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- Não, vamos cair.
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- Aproxime-se do precipício.
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- Não, vamos cair.
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Eles se aproximaram do precipício.
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Ele a empurrou e eles voaram.
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Hiato Sentimental

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Hiato Sentimental
por B.B. King
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.Nobody loves me but my mother
And she could be jivin' too.
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E a ONU com isso

Judeus foram vítimas dos nazistas. Sem direito a espaço, culto e exercício de sua cidadania, foram dizimados. Hoje, vemos palestinos sendo reprimidos por judeus, sem direito ao seu espaço, religião, ou vida própria. Entre os próprios palestinos, confinados, assistimos a atos de barbárie contra dissidentes e civis judeus. O algoz utiliza seu passado de vítima para com isso justificar suas atitudes. Grotesca e absurda inversão...
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Hoje em dia, além de órgãos oficiais de duvidosa eficiência, existem muitas organizações não-governamentais, lutando contra as guerras. De uma forma simplificada, podemos dizer que as guerras existem pela incapacidade do ser humano de lidar com as diferenças: de raça, crenças, ideologias, etc.
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A história do mundo é o resumo daquilo que poderia ter sido evitado.

Profecias

por Kristian Wilson, Nintendo Inc., 1989
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Jogos de computador não afetam crianças. Quer dizer, se o Pac Man tivesse nos afetado quando éramos pequenos, estaríamos todos correndo em salas escuras, mastigando pílulas mágicas e escutando músicas eletrônicas repetitivas.

Relato Sobre a Obrigação de Ser Feliz

Tinha uma praça que vocês podem imaginar à vontade, numa cidade como a nossa.
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Tinha um casal de velhos sentado no banco da praça.
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Tinha um cronista sem assunto, olhando o casal de velhos pelo binóculo, na janela de um prédio, debruçado sobre a praça.
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Tinha uma vontade de ser feliz no ar da tarde.
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Pois era uma tarde de sexta-feira. Não sei se vocês já sentiram, a obrigação de ser feliz que vem embrulhada nas tardes de sexta-feira. É como uma imposição: quem não for estupidamente feliz, entre num bar e beba um vermute com amendoim e se embriague como nos doces tempos de outrora. Mas acontece que o cronista estava só no apartamento. um homem só não pode ser feliz. De maneira que o cronista sem assunto fixou bem o binóculo no casal de velhos e ficou olhando.
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Informo, a quem interessar possa, que o cronista tem o vício de ficar olhando o mundo através do binóculo. Aconteceu uma vez que ele descobriu uma moça trsite na janela de um prédio vizinho ao seu, quando morava em Lourdes. Toda noite, ficava olhando certa moça. Fazia poemas para alegrar a moça. A qual, diga-se em nome da verdade, nunca tomou conhecimento dos versos do rapaz. Uma noite, o cronista reuniu os amigos seresteiros e decidiu cantar debaixo da janela da moça triste.
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Pobre cronista: enquanto seu amigo dedilhava o violão, ele cantava com uma voz tão terrível que acordou patos, morcegos, gatinhas e perus, nos quintais da vizinhança, numa época que ainda havia casas e quintais em nossa amada cidade e galos cantando. Nosso seresteiro cantava evocando a lua e a madrugada quando, lá do alto do prédio, começou a cair toda sorte de coisas, misturadas aos palavrões. Até que caiu, num frasco de plástico, alguma coisa quente e adocicada exatamente da janela da moça a quem oferecia a seresta.
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Como é inocente a alma dos apaixonados. O seresteiro improvisado, depois que juntamente com o amigo teve que fugir e pedir asilo debaixo de uma providencial marquise, onde mendigos dormiam o sono dos justos, jurava que o líquido morno era um licor espanhol. Encurtando conversa: depois do sucedido, a moça triste surgiu na janela vestida de noiva. Sabe-se que casou com um primo e foi infeliz para sempre, se é que isso não é intriga da oposição.
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Mas a vida e esta crônica tem que continuar. Por isso, convém voltar à cena inicial: um cronista sem assunto observa pelo binóculo um casal de velhos sentados no banco da praça. O velho usa terno e gravata. Tem os cabelos brancos e os olhos são claros e ele segura as mãos da velha senhora. Que, por sua vez, também tem cabelos brancos. Falta dizer que havia um jardim na praça. E, de repente, o velho deixou o banco, andou alguns passos, apanhou uma rosa vermelha no jardim e entregou-a à mulher.
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Ah, vocês precisavam ver a alegria da velha senhora. Ela recebeu a rosa vermelha e beijou-a. Lá de sua janela, o cronista sem assunto, olhando pelo binóculo, sentiu uma alegria jamais sentida. E teve certeza de que, por mais que a guerra e a violência, em todo mundo, apontem suas armas da morte, numa praça de Belo horizonte, que é apenas um pequeno ponto negro no mapa da América do Sul, uma rosa exercia um poder maior. E o cronista sentiu vontade de escrever um manifesto conclamando os senhores da guerra a cederem ao encanto de uma flor. Mas pensou que o tempo das flores, que era o tempo dos hippies, tinha passado.
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Guardou o binóculo, desceu no elevador, foi ao bar da esquina e pediu um vermute com amendoim.

Urgência

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Amar como se fosse a primeira
ou última vez.
Amar como se não fosse
nem a primeira nem a última vez.
Amar como se fosse a vez do meio.
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A Diferença Entre Cães e Gatos

Um cachorro pensa: "Ei, essas pessoas com quem vivo me alimentam, me dão um lugar quente e seco para morar, me paparicam, me amam e tomam conta de mim... Elas devem ser deuses!" Um gato pensa: "Ei, essas pessoas com quem vivo me alimentam, me dão um lugar quente e seco para morar, me paparicam, me amam e tomam conta de mim. Eu devo ser Deus!"

sexta-feira, abril 25, 2008

Que Presente Te Dar

por Afonso Romano de Sant'Anna
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Que presente te dar, eu que tanto quero e pouco dou, porque mesquinho, egoísta, distraído não te cumulo daquilo que deveria cumular?
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Deveria desatar inúmeros presentes ao pé da árvore, entreabrindo jóias, tecidos requintados e pessoais objetos, ou deveria dar-te não o que posso buscar lá fora, mas o que, em mim, está fechado e mal sei desembrulhar?
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Gostaria de dar-te coisas naturais, feitas com a mão como fazem os camponeses, os artesãos, como faz a mulher que ama e prepara o Natal com seus dedos e receitas, adornos e atenções.
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Te dar, talvez, um pedaço de praia primitiva, como aquelas do Nordeste ou de antigamente - Búzios e Cabo Frio; um pedaço de mar das ilhas do Caribe, onde a água e o mar são transparentes e onde a areia é fina e brilhante e, sozinhos, habitam a eternidade e os amantes.
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Te dar um verso de canção um dia ouvida não sei mais onde, se numa tarde de chuva, se entre os lençóis cansados; um verso, uma canção ou talvez o puro som de um saxofone ao fim do dia, som que tem qualquer ciusa de promessa e melancolia.
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Fugir uma tarde contigo para os motéis, quando todos os homens se perdem nos papéis e esccritórios, números e tensões; fugir contigo para uma tarde assim, um espaço de amor entreaberto na peça que nos pega a burocracia dos gestos.
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Gravar numa fita as canções que me fazem lembrar de ti e ouví-las, ou tocar de algum modo em algum gravador as frases que em mim gravaste, frases líricas, precisas, que quando estou cinza, relembro e me iluminam.
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Te enviar todos os cartões que coleciono, de todos os lugares que conheço ou que tu nem imaginas; ir a essas paisagens e ilhas e habitá-las com palavras de intermitente paixão.
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Dar-te aquela casa de campo entre as montanhas, aquele amor entre a neblina, aquele espaço fora do mundo, fora dos outros espaços, sem telefone, sem estranhas ligações, para ali nos ligarmos um no outro em una e dupla solidão.
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Se queres jóias, te darei. Aqueles corais que vendem na Ponte Vecchia, em Florença; o âmbar ou as pérolas que expõem nas lojas do Havaí; aquelas pedras de vidro para iridescentes colares, que vendem em Atenas, ao pé da Plaka, ao pé da Acrópole, que amorosa nos contempla.
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Te dar uma viagem aos castelos do Loire, e sair comendo e rindo juntos no roteiro gastronômico franco italiano, ali comendo e aqueles vinhos bebendo, de tudo nos esquecendo, sobretudo dos remorsos tropicais de quem tem sempre ao lado um faminto desesperado de culpa nos ferindo.
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Te darei flores. Sempre planejei fazer isto. Tão simples: de manhã acordar displiscente e começar a colher flores sob a cama. Ir tirando buquês de rosas, margaridas, vasos de íris, orquídeas que estão desabrochando e uma a uma, de flores ir te cumulando. E amanhecendo dirás: o amado hoje está mel puro, seu amor aflorou e está me perfumando.
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Escrever bilhetes pela casa inteira, metê-los entre roupas, armários, prateleiras, para que na minha ausência comeces a descobrir recados daquele que nunca se ausentou, embora esse ar de quem vive partindo, mas se alguma vez partiu, partido foi para reunido regressar.
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Te dar um gesto simples. Passar a mão de repente sobre sua mão, como se apalpa a vida ou fruto que pode ser colhido.
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Te dar um olhar, não com aquele ar distraído, alienado de quem está de costas prosaicas perdido, mas um olhar de quem chegou inteiro e que se entrega enternecido e desamparado dizendo: olha, sou teu, agora veja lá o que vai fazer comigo.

Ice Kiss - Canção de Rua

De dia vende Mentex
na encruzilhada avenida
à noite fazendo sexo
desde os onze
Magrelinha
vendendo chiclete
à noite boquete
na contra mão
sexo inseguro
atrás dos muros
o dia atropela
uma pomba.
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Ontem foi dia do jovem trabalhador (tem dia pra tudo mesmo). Outro dia passou uma reportagem sobre um menino de 11 anos que entrou numa agência de empregos, queria um trabalho para ajudar os pais. Não fosse o desemprego e os baixos salários, nenhuma criança gostaria de trocar suas brincadeiras por trabalho. Diante dessa esculhambação econômica, porém, a opção reduz-se a trabalhar ou passar fome... Todo mundo reclama da violência, mas por mais que criem-se programas do governo, não existem empregos pra um terço dos jovens que entra no mercado de trabalho. O que será que esperam que essa galera vá fazer???

Individualidade

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Cada um com seu gosto, suas manias,
suas loucuras, e achando o outro esquisito.

Divagações

Quando dois canais de comunicação dizem coisas opostas, rola o duplo vínculo. O resultado, pra quem aplica, é poder. Pra quem recebe, é confusão, paralisia: ama ou não ama, tudo bem ou desastre? Para a 'antipsiquiatria', é a origem da loucura [o.Õ]. Será que alguém entendeu o que eu quis dizer...?
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Interromper a pontuação da sequência de eventos leva à sensação de maldade ou loucura. Bom, é que tô pensando nesses motivos - ou ausência deles - que às vezes nos fazem perder contato com certas pessoas... Imagine: eu escrevo uma carta desabafando para um amigo. Ele, emocionado, me responde com outra longa carta, e esta perde-se no correio. Eu fico aqui pirando no porquê dele não responder, ele lá cabreiro por eu não comentar sua resposta. Boa parte dos desentendimentos tem origem na interrupção ou má interpretação de sequências.

terça-feira, abril 22, 2008

Descobrimento do Brasil

Drummond dizia que se os portugueses tivessem chegado ao Brasil num dia ensolarado os índios os teriam despido, em vez do contrário.
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Quiçá Drummond, quiçá...
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E SE O BRASIL
Guarda nos olhos tua floresta, Curumim,
que o homem branco já vem te ensinar
o significado da palavra Fim.
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E se o Brasil nunca tivesse
sido descoberto?
Se ainda andássemos livres
peito aberto
sorvendo o azul do céu
brisa da manhã
adorando o sol
e a cada noite vã
no calor da rede
a pele nua
adormecêssemos nos braços
de morena lua
ouvindo o vento
no arvoredo
sem sentir fome, sede
ou medo
Pau-brasil preso
a suas raízes...
Seríamos mais felizes?

Censura ou Redenção?

Andam querendo proibir a veiculação de comerciais de cerveja na TV. Pois é, não vou dizer que qualquer tipo de censura seja bem-vindo, mas também não concordo com extremos de vulgarização que a mídia vem atingindo nos últimos tempos com esse tipo de propaganda. Deixo abaixo algo pra pensar a respeito.
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VEJA A CERVEJA
(Renato Suttana)
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Muitos anos de propaganda de cerveja parecem ter entorpecido nossos sentidos. Deve ter havido no mundo alguma época em que não foi assim, mas hoje podemos apenas conjeturar. Talvez os nossos pais ou os nossos avós tenham vivido num tempo em que se podia andar pelas ruas ou entrar nos bares sem ser assediado pela convocação à bebedeira e a seus congêneres. Evidentemente, não queremos supor que não fossem assediados, porém é possível crer que em épocas mais remotas nossos parentes fossem capazes pelo menos de espantar-se. Espantados, quem sabe até reagissem, isto é, se mostrassem menos sensíveis às solicitações. Teria o tempo produzido sobre o público outro efeito além do entorpecimento?
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Um espectador de televisão que se vê diante de uma propaganda de cerveja ou de outra coisa qualquer tem menos condições de reagir hoje em dia. Como se o hábito, o costume, a verdadeira familiaridade com que os reclames comerciais entraram em nossas vidas nos tivessem deixado mais lentos, menos sagazes para perceber aquilo a que nos querem levar, reagir diante deles vai aos poucos se tornando uma arte, um verdadeiro ofício de especialistas. E não é que isso seja ruim, no sentido mais desagradável do termo – pelo menos, não é que seja ruim para quem promove a divulgação de produtos –, mas é fato que junto com o entorpecimento veio também uma diminuição em nossa capacidade de resposta. Excessivamente estimulados, tornamo-nos cada vez menos capazes de espanto (já que não se trata propriamente de reagir àquilo que a propaganda propõe) – o que, sem dúvida, estará levando os divulgadores a certas situações muito próximas do impasse.
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Quanto menos o público se espanta, mais urgente se torna a necessidade de procurar soluções, como se a criatividade dos divulgadores tivesse de aumentar na proporção inversa da imaginação dos consumidores. Esse é certamente o maior de todos os perigos, pois uma vez exauridas as forças do público não é possível esperar grande coisa. Entretanto, se os divulgadores insistem no jogo, a insistência mostra não só que os seus negócios dependem de um aumento cada vez mais acentuado de pressão na busca por idéias originais, como também de uma adaptação do público a esse aumento de pressão. Há um limite para isso? De certo modo, a propaganda nos ensinou que sempre se pode agüentar por mais um tempo. Mas também nos mostrou que, quando a pressão ameaça tornar-se insuportável, a saída está do outro lado – daquele lado onde toda pressão se converte em seu oposto, que é a ausência total de pressão ou o esquecimento de que ela um dia existiu.
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O excesso de familiaridade traz a vantagem de se poder ter sempre a ilusão de que o caminho foi aplainado. Uma das conseqüências é que, muitas vezes, o elemento verdadeiramente original da propaganda se vê empurrado para o fundo, passando a pertencer ao setor das redundâncias e dos subentendidos. O que dizer a esse respeito? De certo modo, a propaganda que leva a originalidade para o campo dos subentendidos vai tomando ultimamente certos ares de protocolo. Pouca gente teria coragem de afirmar que tudo aquilo que vê na televisão, nos jornais ou nos cartazes que são afixados nas paredes dos bares contém, de fato, surpresas para o público. Como se este fosse hoje não apenas um convidado que visita irregularmente algum amigo, mas um verdadeiro parente, a quem já não é necessário apontar o lugar onde deve sentar-se quando entra na casa, a propaganda alcançou, finalmente, aquele ponto em que pode dispensá-lo das surpresas. Ele sabe o que fazer e sabe onde sentar-se, e provavelmente conhecerá a posição de todos os cômodos, mesmo daqueles que só interessam aos moradores da casa ou aos criados.
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Mas é correto supor que ele esteja assim tão à vontade nesse ambiente que nem sempre é hospitaleiro? Imaginamos que em algum lugar de tudo isso alguém se sentirá incomodado. Talvez no fundo ainda seja possível até mesmo desconfiar e temer que o excesso de familiaridade seja o melhor caminho para o desastre. Não importa que o jingle da campanha publicitária se conclua com um “ou seja, cerveja”. A conclusão a tirar bem pode ser, antes, a menos óbvia ou a que menos se espera das premissas – obrigando-o a se levantar de um salto e a procurar o caminho da porta. Óbvias em seu aspecto familiar e comezinho, as campanhas conteriam talvez um elemento de incômodo, como uma tábua que, apalpando, descobríssemos de repente escondida debaixo do estofamento – tábua cuja presença só nos restaria suportar.
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Ocorre que, para perceber tal situação, o público precisa dar seqüência ao raciocínio, tirando as suas próprias conclusões. Seria capaz de fazer isso após tantos anos de entorpecimento? Num certo sentido, sua posição é a de quem está apenas olhando, mas olhar é o mesmo que se comprometer – e quem se compromete não pode fingir que não viu. Na vida atual, a familiaridade e até mesmo uma certa intimidade folgazona que é a da propaganda quando se insinua em nosso modo de ver o mundo e em nosso cotidiano não permitem pensar diferente. Porém falar em cotidiano é ainda um modo impreciso e talvez impróprio de abordar a questão, porque o que está em jogo parece ser uma promessa eterna de que poderemos escapar dele, de que, tornado lugar-comum, um longo feriado se declarou de uma vez por todas em nossas vidas, restando-nos apenas comemorá-lo enquanto bebemos uma cerveja.
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É provável que nossos pais não tenham conhecido tais coisas. Mas é provável também que, em sua própria época, eles tenham sonhado com elas – à sua maneira, por certo, e sem que ninguém precisasse dizer-lhes isso durante todas as horas do seu dia. Essa é a diferença que os distancia de nós e que, ao olharmos para a nossa época, faz com que nos sintamos ao mesmo tempo desconfortáveis, estranhos e, inexplicavelmente, recompensados.

terça-feira, abril 15, 2008

Mais Estranho que a Ficção

Não escondo minha paixão por filmes alternativos. Sim, esses que ninguém nunca ouviu falar, e se ouviu não tá nem aí (porque não é com o galã ou a gostosona já conhecidos). Ou também, com uma outra definição, filmes estranhos que ninguém entende.
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Achei um filme tri final de semana passado, que como a crítica abaixo mesmo já diz, não tem um final brilhante, mas é um desses que me seguram no sofá (sem dormir) e me fazem viajar um pouco elaborando continuações fantasiosas dirigidas por mim.
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Dirigido por Marc Forster. Com: Will Ferrell, Emma Thompson, Dustin Hoffman, Maggie Gyllenhaal, Queen Latifah, Tony Hale, Tom Hulce, Linda Hunt.
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Há algo de especial em Mais Estranho que a Ficção: o filme tem suas falhas óbvias, um desfecho relativamente decepcionante e ao menos uma personagem completamente desnecessária (vivida por Queen Latifah), mas, apesar disso, consegue desenvolver sua história de forma sempre interessante e com uma sensibilidade que certamente surpreenderá aqueles que o assistirem esperando uma comédia (algo que este longa não é). Criando um universo que se move de acordo com suas próprias regras e mergulhado em auto-referências, Mais Estranho que a Ficção poderia perfeitamente figurar em uma antologia que contasse com obras como O Show de Truman, Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças e Adaptação – e, mesmo que levemente inferior a estes títulos, o novo trabalho do diretor Marc Forster não faria feio ao lado dos “colegas”.
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Escrito por Zach Helm, o roteiro conta a história de Harold Crick (Ferrell), um auditor da Receita Federal que, certo dia, passa a ouvir uma voz que parece narrar todas as suas ações e pensamentos. Levando uma vida entediante cujo momento mais dramático ocorreu ao ser abandonado pela noiva (que, é claro, fugiu com um atuário), Harold busca a ajuda de um mestre em literatura, pois acredita ser o personagem de alguma narração – que se torna bem mais tensa quando ele descobre que a “autora” pretende matá-lo brevemente. Infelizmente, ele tem razão: na verdade, a voz que o sujeito ouve pertence à célebre escritora Kay Eiffel (Thompson), famosa por suas tragédias e que não tem a menor idéia de que Harold é um homem real que pode escutá-la.
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Utilizando a metalinguagem como base de sua narrativa, o filme consegue algo raro: fazer uso da narração em off com inteligência e de maneira sempre orgânica à trama. A partir do instante em que começa a ouvir a voz de Eiffel, o protagonista percebe que pode não ser dono de sua própria vida e, portanto, tenta assumir o controle da história – mesmo que isto se limite a trancar-se em seu apartamento numa tentativa desesperada de impedir que a trama continue a se desenvolver. E é um alívio que o roteiro jamais tente explicar a estranha ligação entre Harold e a escritora, já que isto não faria diferença alguma e poderia até mesmo enfraquecer o filme (já bastam os vários longas que usam desculpas esfarrapadas como biscoitos da sorte, maldições feitas por ciganas raivosas, frases ditas simultaneamente por dois personagens, etc). Aliás, até mesmo a natureza do professor de literatura vivido com brilhante ironia por Dustin Hoffman é deixada em aberto: por que, afinal de contas, ele acredita na história absurda de Harold e se dedica até mesmo a compilar uma lista de possíveis autores cujas vozes este poderia estar escutando? Simples: por que isto é necessário para que a trama caminhe e, afinal de contas, nenhuma explicação poderia ser realmente plausível, considerando-se o absurdo da premissa básica do filme – assim, para que inventar uma? Basta que o espectador compreenda e aceite a lógica interna da história para que tudo faça sentido.
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Vale dizer, a propósito, que Mais Estranho que a Ficção demonstra ter uma confiança admirável na inteligência de seu público: além de apostar em nossa capacidade de não exigir respostas desnecessárias, ele não tenta martelar em nossa cabeça o tom de sua narrativa. Sim, é claro que sua premissa é divertida por natureza e que a presença de Will Ferrell tende a levar o espectador a assumir que o riso é a principal preocupação dos realizadores; ainda assim, o diretor Marc Forster conduz a história com calma, sem histrionismos, permitindo que mergulhemos sozinhos no clima de melancolia que atravessa o filme. Sem jamais se render ao óbvio, Forster opta por construir pequenos momentos de humor através de marcações inesperadas (como o movimento constante da cadeira que Ferrell ocupa em um ônibus), descartando sem pena outras piadas já prontas (quando o protagonista explica quem é para uma recepcionista, imediatamente esperamos um corte brusco que levará a um plano no qual ele é atirado para fora do prédio; em vez disso, ele sai calma e tristemente do edifício). Da mesma maneira, o cineasta encontra uma solução visual interessante para retratar a obsessão de Harold com a exatidão matemática, incluindo gráficos que ilustram os processos mentais do personagem – cujo apartamento, diga-se de passagem, é de uma impessoalidade atordoante, refletindo também a falta de calor humano da residência da escritora que o “criou” (um toque brilhante da equipe de direção de arte). Aliás, Forster continua a provar sua versatilidade, em nada lembrando o diretor responsável por filmes como A Última Ceia, Em Busca da Terra do Nunca e A Passagem.
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Enquanto isso, Will Ferrell também aproveita a chance de demonstrar sua capacidade de encarnar tipos mais sérios e transforma Harold Crick em um homem triste cuja introspecção é mais do que um traço de caráter; é uma armadura contra o mundo. Metódico e emocionalmente reprimido, o auditor é o tipo de homem capaz de guardar as meias cuidadosamente dentro dos sapatos antes de se entregar ao sexo – uma atividade que provavelmente não experimentava há anos. Já Emma Thompson abandona qualquer traço de vaidade ao viver Kay Eiffel como uma mulher cujo talento literário (e seus textos descritivos são, de fato, belíssimos) é inversamente proporcional ao seu traquejo social – e há algo de irônico na forma poética com que ela descreve o mais prosaico dos atos; é como se reconhecesse a falta de emoções na própria vida e as substituísse por um preciosismo estilístico belo, mas frio. E se Queen Latifah, como já dito, é obrigada a interpretar uma personagem que não faria a menor falta ao filme, Maggie Gyllenhaal confere energia e calor humano à confeiteira Ana Pascal – duas qualidades que a contrapõem diretamente a Harold. Finalmente, é sempre bom ver intérpretes como Linda Hunt e Tom Hulce em ação, mesmo que em cenas breves e pouco memoráveis.
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Tematicamente rico, Mais Estranho que a Ficção é um filme que merece ser discutido após a sessão – e não é à toa que, em certo momento, o personagem de Ferrell assiste ao genial O Sentido da Vida, do Monty Python: afinal, em uma história igualmente ilógica, é isto que o sujeito está buscando. Centralizando a narrativa em torno de dois indivíduos que levam existências vazias, substituindo a convivência social por seus próprios universos particulares (a literatura e a matemática), o longa é um manifesto contra sonhos não realizados e um toque de despertar para pessoas que se esqueceram (ou que nunca conheceram) o prazer de viver. No entanto, ao mesmo tempo o roteiro nos apresenta uma questão ainda mais intrigante e que, de certa forma, se contrapõe à importância do indivíduo, o que não deixa de ser fascinante: ao estabelecer a eternidade da Arte e a efemeridade do Homem, Mais Estranho que a Ficção parece questionar o que é mais importante – um tema abordado tangencialmente pelo recente Filhos da Esperança. Se a morte de Harold Crick resultasse na criação de uma obra-prima que pudesse inspirar a Humanidade por séculos e séculos, não seria um sacrifício válido? Afinal, já que milhares de vidas são jogadas fora em guerras e outras tragédias sociais, como alguém poderia se negar a morrer em prol de algo realmente maior ou, digamos, espiritualmente mais elevado? É claro que, como indivíduos, queremos viver pela maior quantidade de tempo possível, mas o fato é que todos morreremos eventualmente – se pudéssemos escolher, assim, uma morte “lírica e significativa” (como descreve o personagem de Hoffman), não seria esta uma oportunidade a ser aproveitada?
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E é aqui que sou obrigado a pedir que os leitores que ainda não assistiram a Mais Estranho que a Ficção retornem a este texto depois que o fizerem, já que uma análise completa do filme exige um comentário sobre o destino de Harold Crick. Portanto, vamos lá (último aviso!): ao constatar que a obra de Kay Eiffel só se tornaria completa com sua própria morte, Crick toma a decisão de permitir que isto aconteça, numa postura digna de uma alma repleta de poesia – e é comovente perceber que aquele homem tão apagado, racional e sem vida é capaz de compreender a necessidade do auto-sacrifício pela Arte (aliás, esta sua transformação representa a alma de Mais Estranho que a Ficção). Em contrapartida, fica claro que o roteirista Zach Helm, numa curiosa ironia do destino, colocou-se no mesmo dilema que sua personagem Kay Eiffel: seu afeto por Harold Crick não o deixa levar adiante o sacrifício que o próprio protagonista aceitara.
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Infelizmente, esta fraqueza dos dois autores (o real e a fictícia) compromete a qualidade das duas obras (o filme e o livro-dentro-do-filme), já que nem sempre o desfecho mais satisfatório (leia-se: feliz) é o mais eficaz ou apropriado. O fato é que Harold deveria morrer – e por mais que o roteiro tente justificar sua salvação, o resultado decepciona por reconhecermos sua incompatibilidade com o restante da narrativa. Ao longo de Mais Estranho que a Ficção, lembrei-me várias vezes do roteirista Charlie Kaufman, cujos trabalhos certamente serviram de inspiração a Zach Helm. A diferença é que Kaufman não hesitaria em matar Harold Crick. Afinal, de que vale a felicidade efêmera de um personagem diante da importância de uma obra de Arte?
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Créditos ao Cinema em Cena pela crítica.

domingo, abril 13, 2008

A vida de todo mundo não poderia tornar-se uma obra de arte?


Por que uma luminária ou uma casa podem ser uma obra de arte e nossa vida não?
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E para ler...



O Papa de Hitler, é um livro excelente para quem não tem pré-conceitos de se infiltrar no interior da igreja católica e nos bastidores da diplomacia (ou não) do Vaticano durante a Segunda Guerra Mundial. Reconstitui os fatos com preciosismo e certamente nos ajuda a derrubar estigmas importantes da história recente e atual.

CORNWELL, John. O papa de Hitler: a história secreta de Pio XII. Rio de Janeiro: Imago, 2000. 472p.

Miniambiente

Estou sem tempo, atrasado, ocupado, meio consumido, pensando se conseguirei chegar antes que o guarda resolva travar a porta. Corro assombrado, cortado em pedaços, esbaforido, feito uma tela expressionista, escorrendo os pés pelos vãos da cidade. É verdade, não estou brincando. Preciso dar conta do recado, suar a camisa, torcer o rabo do gato pra gerir meu ganha-pão. Meu chefe não compreenderia se eu retornasse para o escritório sem as autenticações. Ele vive roendo as unhas, procurando um nó cego, uma besta qualquer pra descontar suas mazelas. Veja, estou com as mãos atadas, sem nenhuma chance de parar, atolado até o pescoço de trabalho. Lutando para manter a cabeça no lugar. É, estou voando, torcendo, rezando pragência estar aberta e não ser barrado na porta. Até a noite, sou como um balão vermelho: hora após hora, caindo. Sem tempo, sempre atrasado, ocupado, ocupadíssimo.
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Claudio Eugênio Luz

Mágoas - Parte II

Por outro lado...
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... se a Ana Carolina estava com a mala cheia dessas coisinhas ao escrever essa letra, putz, quisera eu ser tão produtiva nesses momentos.
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É Mágoa
Ana Carolina
.É mágoa
Já vou dizendo de antemão
Se eu encontrar com você
Tô com três pedras na mão
Eu só queria distância da nossa distância
Saí por aí procurando uma contra-mão
Acabei chegando na sua rua
a dúvida qual era a sua janela
Lembrei que era pra cada um ficar na sua
Mas é que até a minha solidão tava na dela
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Atirei uma pedra na sua janela
E logo correndo me arrependi
Foi o medo de te acertar
Mas era pra te acertar
E disso eu quase me esqueci
Atirei outra pedra na sua janela
Uma que não fez o menor ruído
Não quebrou, não rachou, não deu em nada
E eu pensei: talvez você tenha me esquecido
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Eu só não consegui foi te acertar o coração
Porque eu já era o alvo de tanto que eu tinha sofrido
Aí nem precisava mais de pedra
Minha raiva quase transpassa a espessura do seu vidro
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É mágoa
O que eu choro é água com sal
Se der um vento é maremoto
Se eu for embora não sou mais eu
Água de torneira não volta
E eu vou embora
Adeus

Mágoas - Parte I



Sabe o que são? Malas pesadas, enormes, velhas e cheias de tralhas, que carregamos vida afora. E o objeto da nossa mágoa, aquela pessoa que nos fez tanto mal? Provavelmente, não está nem aí. Talvez, até nem saiba o tamanho da encrenca. De nada vai adiantar você carregá-las, ao contrário, isso pode te fazer muito, muito mal. E o pior: a decisão é sua, só você pode decidir não levá-las vida afora. Viaje mais leve, deixe-as na próxima esquina. Solte as malas!
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Entre esmaltes e cicatrizes
Meu baú tem mais azul.
Tem fotos de atrizes,
bobagens, bilhetes, versos, rimas,
medalhinha de São Dimas;
Tem alhos, bugalhos, retalhos, atalhos.
Os filhotes de fantasmas
brincam com a sua letra de criança,
suavizando a dor do meu mundo.
Meu baú não tem tampa, nem fundo,
mas sangra.
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(Jovino Machado)

quinta-feira, abril 10, 2008

Feito um Vendaval

Paixão é a alucinação amorosa. E os apaixonados são de duas espécies: os generosos que se dão inteiramente, se jogando nas mão do outro, e os possessivos, que querem que o outro se incorpore a eles convertidos em sombra-viva.
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Paixão, por isto, é arma de dois gumes. E corta. E sangra. Se não sangrou, se não teve insônia, se não desesperou, paixão não era. Talvez fosse desejo, que o desejo é diferente. No desejo a gente quer o outro para possuir apenas, passageiramente. Na paixão, não. Na paixão, a gente quer se fundir com o outro, para sempre. E se o outro disser assim: "Vai ali buscar aquela estrela para mim", a gente vai. Se disser: "Não estou gostando do seu nariz", a gente opera.
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A paixão é boa? A paixão é ruim? Ninguém sabe. Ela acontece. Como certas tempestades, ela acontece. Assim como depois dos vendavais os elementos da natureza já não são os mesmos, ninguém é o que era depois do desvario da paixão. Vidas renascem com paixões. Outras viram cinzas por causa dela. E há pessoas que são como aquela ave mítica, a Fênix, vivem renascendo das cinzas da paixão.
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Marx (Karl Marx, filósofo alemão) errou completamente. Não é a luta de classes que move a história, é a paixão. Paixão é a revolução a dois. E toda a comunidade fica abalada. Foi assim com Romeu e Julieta. Foi assim com Tristão e Isolda. Não é de hoje que reinos se fazem e se refazem por causa da paixão.
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Existe diferença entre amor e paixão? Existe. o amor, claro que há luminosa coabitação. Mas o amor é também paciente construção. Já a paixão é arrebatamento puro e a voragem é tão grande que pode tudo se esgotar de repente. Quantas vezes se apaixona numa vida? Há gente que vive inventando paixões para viver. E há gente que organiza toda sua vida em torno de uma única e consumidora paixão.
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Paixão é transgressão. Quanto mais obstáculos inventarem, mais o apaixonado os saltará. E o apaixonado não tem medo do ridículo. O que lhe importa o mundo se o seu mundo é apenas o mundo da pessoa amada? [o.Õ]
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A paixão tem cor. É roxa. É vermelha. Pressupõe morte e ressurreição.
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Da paixão vivemos muito.
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Da paixão morremos sempre.
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Affonso Romano de Sant'Anna
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